quinta-feira, 19 de junho de 2008

UMA ILHA CERCADA DE LENDAS

Entre todos os atrativos turísticos da capital maranhense, São Luis ainda esconde entre seus casarões e becos narrativas que dão vida a uma cultura social diversificada, sustentada em causos contados pelos diversos lugares históricos da ilha.




Começo da madrugada de finados em São Luis, as ruas estão vazias. Mas qual a razão de toda essa calmaria já que no dia seguinte é feriado? Uma razão para esse quadro é a superstição que já vem embutida na sociedade maranhense há várias décadas. Os mais velhos dizem que no dia dedicado aos mortos, eles caminham pelas ruas e transitam por entre os vivos. Os mais supersticiosos relatam que nessa data à noite é dada aos espíritos.


Em meio ao clima místico que cerca a cidade, o dia de Finados, é uma data em que muitas tradições são mantidas como acender velas para os entes queridos, rezar às 18h, comer carne branca, de preferência peixe e mariscos. O culto aos mortos é secular e faz parte de todas as religiões, principalmente das mais antigas. No começo, o culto era ligado ao meio agrário e voltado para a fertilidade do solo. Acreditava-se que, assim como as sementes, os mortos eram enterrados para alcançarem a ressurreição.

Lendas do Maranhão

Tradicionalmente, o maranhense é muito envolvido com lendas e mistérios. O imaginário popular é recheado de narrativas sobre fantasmas, animais encantados e carruagens de fogo. As histórias, que ajudam a constituir a identidade do povo e do local, continuam chamando a atenção de crianças e adultos.

A serpente encantada

Entre essas lendas se destaca a da serpente encantada, que segundo os ludovicenses, encontra-se submersa nas águas que circundam a Ilha de São Luis. Conforme a lenda a serpente está adormecida e crescendo de forma desenfreada. Segundo a lenda, quando o animal encontrar a ponta de sua própria cauda ele despertará e abraçará a ilha com força descomunal e fúria diabólica, arrastando a ilha para o fundo do mar matando todos os habitantes. Vários contadores de causos contam que os túneis da Fonte do Ribeirão levam direto para a cauda da serpente. Outros dizem que a cabeça do animal fica embaixo da Igreja da Sé, no centro histórico da cidade, dando para a narrativa uma suposta razão do não despertar da serpente, já que a igreja se encontra sob os domínios divinos.

“Desde a infância venho convivendo com as lendas de São Luis, mas a da serpente encantada é a que mais ouvir quando criança. Minha mãe contava essa história periodicamente e sempre tive um fascino grande por toda essa magia que cerca a ilha e o nosso estado”. Comenta dona Raimunda Furtado, moradora antiga da capital.
A Batalha de Guaxemduba
Para uma cidade envolvida em histórias místicas é natural que a sua padroeira surgisse de um causo. Essa lenda trata da Guerra de Guaxenduba, que foi travada diante do Forte de Santa Maria de Guaxenduba, em 19 de novembro de 1614. Conta-se no causo que os lusitanos já estavam prestes a se renderem aos franceses, devido à sua inferioridade numérica de homens, armas e munições.
Nesse cenário aparece uma formosa mulher em auréola transparente resplandecente. Ela então transforma areia em pólvora e os seixos em projéteis, revigorando assim a moral dos portugueses, que impõem uma severa derrota aos invasores. Em memória a esse feito, a Virgem foi aclamada padroeira da cidade de São Luis do Maranhão, sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória. A lenda é tão articulada que chega até a se acreditar na veracidade da narrativa.
O padre José de Moraes, em “Histórias da Companhia de Jesus na extinta Província do Maranhão e Pará” (1759), escreve a seguinte passagem: “Foi fama constante (e ainda hoje se conserva por tradição) que a virgem foi vista entre os nossos batalhões, animando os soldados em tempo de combate”.
Ana Jansen
Em uma época em que a sociedade era marcada pelo patriarcalismo, surge no cenário social maranhense uma mulher com tantos poderes quanto os demais homens da época. Ana Jansen era uma mulher de muita fibra e coragem. Justamente por sua postura diante dos poderosos, adquiriu muitos inimigos durante a vida. Várias histórias foram inventadas e creditadas a Ana Jansen. Como bárbaras atrocidades contra seus escravos, que eram submetidos a toda sorte de suplícios e torturas em sessões que terminavam quase sempre em morte.

A professora Helena Tabosa, Técnica do Museu do Maranhão, explica que Ana Jansen era uma mulher muito poderosa e não se deixava abater por nenhum poderoso patriarca da época e isso fez com que muitas histórias de horror fossem atribuídas a ela. “Segundo José Montello, os portugueses, principalmente, não gostavam dela e chegaram ao extremo de confeccionar urinários com o retrato dela no centro. Mas ela foi astuta o suficiente para mandar comprar todos e quebrar”, comenta a professora.
Uma das lendas mais famosas é da Carruagem de Ana Jânsen. Alguns anos depois do falecimento de Donana, como era conhecida, passou a ser contada na cidade a estória, segundo a qual, nas noites escuras das sextas-feiras, boêmios costumavam deparar com uma assombrosa e apavorante carruagem, em desenfreada correria pelas ruas da cidade de São Luis, puxada por muitos cavalos brancos sem cabeças, guiados por uma caveira de escravo, também decapitada, conduzindo o fantasma da falecida senhora, penando sem perdão pelos pecados e atrocidades, em vida cometidos.
Conta-se que quem tiver a infelicidade de encontrar a diligência de Ana Jânsen e deixar de fazer uma oração pela salvação da alma da maligna senhora, ao deitar-se para dormir, receberá das mãos de seu fantasma uma vela de cera. Esta, porém, quando o dia amanhecer estaria transformada em descarnado osso humano.
No entanto, o jornalista Waldemar Santos, em matéria publicada no extinto Jornal de Hoje, em novembro de 1985, tem uma visão diferente. Com o titulo de “Ana Jansen: o bentivi maranhense revida insultos” a matéria comenta a existência de contradições na lenda da carruagem. O testemunho de Jurandir Luís, grande comerciante nos anos 80, afirma a descoberta da farsa na lenda. Ele conta que no começo do século fora desvendada pelos irmãos Antônio e Luís Bezerra a lenda da carruagem de Ana Jansen, Ao “voltarem de uma festa de aniversário numa casa perto do cemitério do “Gavião” , descobriram que quem passeava pelas ruas de São Luis, era um grupo de leprosos”.
Os doentes eram comandados por dois rapazes de famílias importantes de São Luis. Após serem pegos pela policia, os envolvidos no caso confessaram a culpa e a lenda da carruagem de Ana Jansen foi então desmascarada. Porém ainda hoje é possível observar pessoas contando esse causo pela cidade.
Existem várias outras estórias que são contadas pelo Maranhão. Essa cultura maranhense dá ao estado um ar místico e faz com que as gerações passem, de uma à outra, histórias fantásticas como se fossem verdadeiras. Apesar do hábito ser facilmente observado na capital, São Luís, é no interior que a crença nas lendas marca mais fortemente os processos de identificação cultural. Cada lugar tem uma narrativa que dá vida a um determinado acontecimento.

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